domingo, maio 24, 2015

[CRÔNICA] Gaiola


24|05|15 · O rebu lhe arrebatou pela madrugada, jogando para o alto o silêncio por entre os travesseiros. Mexe a cabeça de um lado para o outro, tic toc, o pensamento dando suas idas e vindas pela gaiola. Fera selvagem, força da natureza e toda essa baboseira. Tic toc, não voltava para jaula, não podia ser contido. 

Levanta e bebe um copo d'água. Dois. Tic toc. O cárcere range enquanto o sufoca lá dentro, as grades rangem, as garras marcam o ferro. Três. O líquido desce afogando os clamores, fazendo eco de vozes que não estão ali. Elas cantam em uníssono: "gaiola adentro!" Quatro. Banheiro.

A privada só não parece menor do que o espelho. No lugar de seu reflexo, a gaiola, sua sombra, seus sons, reverberações e memórias. Quanto mais trancafiado, mais o pensamento chama atenção para sair, carente. Tic toc. Quando boceja, percebe o cansaço. Abrir e fechar a prisão é tão exaustivo quanto mantê-la de pé. 

Volta para cama e deita, os olhos colados no ventilador congelado no teto. A fera se torna tão sonolenta quanto o vigia da gaiola. Dormem agarrados, bem juntos, confortáveis um no outro. Nada de rebu, repara nos últimos segundos de consciência. 

Se antes houve, já não o ouve.


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